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Sunday, January 25, 2009
Operação Chumbo Impune
Eduardo Galeano
Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carniceria de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, logrará multiplicá-los.
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Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não deveriam votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Gaza se converteu numa ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou limpidamente as eleições no ano 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então vivem submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.
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São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com péssima pontaria sobre as terras que haviam sido palestinas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, às margens da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há anos, o direito à existência da Palestina.
Já sobra pouco da Palestina. Passo a passo, Israel a está apagando do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa.
Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush Invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das guerras defensivas, Israel tragou outro pedaço da Palestina, e os almoços prosseguem. O ato de devorar se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos que estão observando.
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Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.
Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não pôde bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provem da potência que quer mandar em tudo e que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?
O exército de Israel, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis se chamam danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam a milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando exitosamente nesta operação de limpeza étnica.
E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelense.
Gente perigosa, adverte o outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a crer que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Iran foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
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Existe a chamada comunidade internacional?
É ela algo mais que um clube de comerciantes, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos se colocam quando fazem teatro?
Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se manifesta mais uma vez. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações em voz alta, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.
Ante à tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.
A velha Europa, tão capaz de beleza e perversidade, derrama uma ou outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século, essa dívida histórica está sendo cobrada aos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, anti-semitas. Eles estão pagando, com sangue "contante e soante", uma conta alheia.
(Este artigo está dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino-americanas que Israel assessorou)
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