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Wednesday, January 13, 2010
por Carlos Alberto Lungarzo,
membro da Anistia Internacional (USA)
Entre os que apóiam a liberdade de Battisti e os que promovem seu linchamento, há um grande grupo que duvida. A diferença entre linchadores e indecisos aparece quando se fala no modo de punição. Pessoas desorientadas, porém sensíveis, sentem horror de que alguém possa estar preso a vida toda num sistema que o levará à loucura ou a suicídio.
Entretanto, os que não têm oportunidade nem tempo para acompanhar os detalhes, acham difícil acreditar que um país europeu lance uma acusação sem fundamento. Alguns, nem conseguem admitir que a Suprema Corte de nosso país possa estar complicada num assunto ilegítimo.
Em alguns setores, a indignação italiana tem produzido o efeito oposto. Muitos se assustaram quando ouviram as ameaças de crises diplomáticas, retaliações econômicas e desportivas e até de guerra (como as proferidas pelo exaltado Franco Maccari, secretário geral do sindicato de policiais COISP). Tudo isso por um crime comum? Não são poucos os que perceberam que ninguém faria um escândalo tão ridículo, cheio de pieguice e xingamentos chulos, se tivesse argumentos bons.
Quero enfatizar, para os que duvidam sobre a inocência de Battisti, o caráter POLÍTICO do seu julgamento. Não descarto a existência adicional de outro tipo de interesses, como rancores e vaidades coletivas, catástrofes de psicologia social como sede de sangue, sentimento imperialista frustrado e patologias sociais das mais variadas, mas o aspecto político é fundamental.
Há um indício que mostra claramente o objetivo político desta farsa: nunca nenhum setor da direita se preocupou em tentar refutar ou desmentir as afirmações de que não existem provas contra Battisti.
Isto é muito importante, e se vocês revisam os comentários dos jornais, revistas e TV deste último ano, poderão ver que quase nenhum “linchador” se dá ao trabalho de polemizar contra os que afirmamos a falta total de provas e testemunhos. Eles se limitam a ironizar, acusar de cumplicidade, e montar um circo romano contra os que ofendem as instituições italianas. Nem mesmo mencionam duas ou três “provas” (reais ou não) para, pelo menos, simular que acreditam que Battisti é culpado. Vejamos alguns casos desta ostentação de desinteresse.
(1) No relatório do STF, seu autor descreve os quatro assessinatos na forma grotesca de um filme policial de péssima qualidade. Aí, Battisti é descrito como um insano sanguinário, que se disfarça com barba, peruca, jaqueta de camurça, sapatos de salto e mata pelas costas enquanto namora. Mas o relator não se importa em convencer, pois nem toma o cuidado básico de eliminar contradições óbvias: armas, número de tiros, cor de cabelos, e até os atores dos crimes, aparecem de maneira incompatível em diversos trechos do relatório.
(2) No Senado, Eduardo Suplicy analisou com enorme paciência e energia, não uma, mas pelo menos cinco vezes, todas as matérias que Fred Vargas e eu publicamos (em separado) sobre a falta de base das acusações contra Cesare. Seus colegas do PSDB e, sobretudo, do DEM ou ignoravam, ou riam, ou liam, mas nunca refutavam nada. Os que com mais sanha acusam a Battisti de “assassino”, nunca se levantaram e disseram: “Não é assim como você fala. Têm testemunhas, sim, que são Luigi, Pietro, Gianni, etc... ”. Eles poderiam, pelo menos, fingir que acreditam na culpa do refugiado, decorando alguns nomes que aparecem nos documentos jurídicos italianos.
(3) Itália negou à defesa a entrega dos autos onde haveria pretensas “perícias”. A negativa é natural, pois essas perícias devem ser pura fantasia. Quando os amigos de Battisti exigiram do STF que pedissem essas provas a Itália, porque não poderia negá-las a um poder público, Peluso disse que o Tribunal não as precisava.
(4) Quando Fred Vargas leu suas 13 perguntas, e pediu ao relator que conseguisse os documentos e dados que ele tinha sonegado ou distorcido em seu relatório, este respondeu que não era assunto do Brasil o julgamento italiano.
(5) Os jornalistas mais famosos nunca tocam no assunto. Quando, raramente, respondem uma pergunta de um leitor questionador, ficam furiosos: “é um assassino, foi dito pelos italianos, os franceses e agora pelo STF, e ainda você duvida!”. Também, advogados da polícia e dos militares, e defensores de porta de cadeia oferecem as mesmas razões.
(6) Em novembro, um blog da Veja reagiu às reiteradas denúncias de Suplicy, declarando que existiam testemunhas sim, e uma era o filho de Torregiani. O blogueiro nem sabia que Alberto Torregiani, depois de mudar durante décadas, segundo as pressões da Promotoria, “estacionou” numa opinião coerente há mais de cinco anos: Battisti não estava no cenário de morte de seu pai, embora continue dizendo que ele é o assassino.
(7) Tampouco os juízes se interessam pela autoria dos crimes. Entre os inimigos fanáticos de Battisti há um ex-desembargador muito experiente em máfia italiana e colombiana. Seria a pessoa ideal para oferecer provas, ou, então, refutar nossas afirmações de que não há provas. Mas ele se limita a xingamentos políticos: repete dúzias de vezes que os revolucionários da época eram apenas bandidos, e que esquerdistas decentes são os que pedem a cabeça de Battisti.
(8) Quando o ministro Marco Aurélio mostrou que os únicos argumentos contra Cesare vinham de delatores e que os delitos eram qualificados como políticos pela própria Itália, alguns magistrados ignoraram. Na sessão seguinte, alguém disse que “não estamos julgando o mérito”. Ou seja, se Battisti matou ou não, tanto faz.
Bom, devemos fazer esta pergunta: “Se um cara foi condenado a 4 prisões perpétuas por 4 homicídios, por que não têm importância se ele foi ou não o assassino?”.
A resposta é simples: porque o objetivo da extradição brasileira e da condenação italiana é político (além dos componentes psicológicos, como “vendetta”).
Battisti, como milhões de jovens (talvez com métodos errados) ergueu-se contra a opressão das elites. Ele não é diferente de um resistente brasileiro, argentino, uruguaio ou chileno, mesmo que a Itália fosse uma democracia, nem de um “Sem Terra” ou um bolivariano.
Então, tanto a Itália como a cúpula do STF e a direita brasileira querem fazer de Battisti um exemplo para espalhar o terror de estado. “Este é um esquerdista: não importa se matou ou não. Mas, ele servirá de exemplo para que aprendam os outros”. Aliás, se Cesare é inocente dos assassinatos, será ainda melhor para os julgadores. Porque, nesse caso, eles deixam perceber ao público de que o estão punindo por sua ideologia. Punir a ideologia é a forma mais atroz do terror de estado, pois significa que nem o pensamento foge à barbárie daqueles algozes. Sem afirmá-lo de maneira direta, o que daria muito escândalo, o STF deixa uma dica muito clara: “Se você ou matou ou não matou, não estamos nem aí. Você vai a apanhar a vida inteira porque pensa e fala contra nós”.
No Brasil e na Itália as motivações são políticas, mas há algumas diferenças regionais. No Brasil, punir Battisti significa um enorme grito de atenção para todos os “subversivos”. Os que admiram presidente índios na Bolívia e no Equador, que apóiam o freio à mídia golpista na Venezuela, lutam pela terra, denunciam o trabalho escravo e os genocídios dos ruralistas, põem em evidência o aparelhamento militar do estado, todos esses são os Battistis do futuro.