Estive no Haiti há um mês atrás, falando com operários, estudantes, intelectuais e camponeses. Vi uma tragédia brutal, econômica, social e política, que estava sendo ocultada do mundo, e agora vem à tona com o terremoto.
Muitas das pessoas e lugares que encontrei não existem mais. Existem dezenas de milhares de mortos nas ruas. Os feridos aguardam socorro que não vem. São os sobreviventes que tentam salvar os feridos nos escombros. Não há bombeiros nem hospitais, só o caos.
Não se pode explicar tudo pelo terremoto. Mesmo com um desastre dessa magnitude, não era necessário que cem mil pessoas morressem. A real explicação dessa tragédia é a exploração capitalista selvagem que devasta o país. Os EUA controlam a economia do país desde o século passado, através de inúmeras ditaduras (como Papa Doc) e governos “democráticos”.
O salário mínimo no Haiti é de 120 gourdes na indústria têxtil (pouco mais de cem reais mensais). O desemprego de 70-80% pressiona os trabalhadores a aceitarem essa miséria. Grandes empresas têxteis norte-americanas pagam salários mais baixos que os chineses, para produzir jeans, como Levi’s, Gap, praticamente nas costas dos EUA. Para essas empresas, a miséria haitiana é uma grande fonte de lucros.
Os moradores de Porto Príncipe, mesmo antes do terremoto, obtêm água em poços artesianos, cozinham com carvão e não têm energia elétrica em suas casas. Os hospitais públicos eram pouquíssimos, sem nenhuma condição de atender a população, mesmo em condições “normais”. Foi por isto que o terremoto foi tão devastador.
Fiz uma palestra na Faculdade de Ciências Sociais do Haiti. Quando os estudantes ouviram que o governo brasileiro apresenta a Minustah (força de ocupação militar da ONU comandada por tropas brasileiras) como “humanitária”, caíram em gargalhadas.
Eles me mostraram um painel na entrada da faculdade, em que estava escrito “Não nos pararão” em creóle. As letras do painel eram feitas com as bombas de gás lacrimogêneo que a Minustah lançou contra as mobilizações estudantis em novembro passado. Vinte estudantes foram presos, alguns estavam presentes na palestra. Um dos professores da Faculdade, Jean Anil Juste, que participou das mobilizações foi assassinado algumas horas antes do terremoto, em um crime claramente político.
Conversei com operários têxteis que me contaram de sua greve em agosto passado, que durou duas semanas, e só terminou pela repressão da Minustah (com duas mortes). A reivindicação era a elevação do salário mínimo para 200 gourdes (cerca de 190 reais).
A Minustah não tem nenhum papel humanitário. Desafio o governo brasileiro a mostrar qualquer avanço social nesses quase seis anos de ocupação. O que as tropas fazem, na verdade, é garantir a ordem para a exploração do país pelas multinacionais. Isso não tem a ver com muitos dos soldados brasileiros que para ali viajam com boas intenções, mas com o papel real das tropas, definido por seu comando e pelo governo.
E agora, nesse momento trágico, o que faz a Minustah? A descrição de um grupo de estudantes da Unicamp que está em Porto Príncipe é reveladora: “A situação está se complicando: saindo às ruas em busca de água, o pessoal viu muitas pessoas feridas na rua, mortas, casas desabadas e pessoas retirando os escombros, além de briga por comida, saques, um tiroteio, e o pior, aparentemente, tudo isso sem a presença de nenhum tanque, carro ou oficial da ONU nesses primeiros momentos de pavor a população. Apenas soubemos que as tropas estavam removendo os escombros do Hotel Montana, um dos hotéis da alta classe, onde deveria estar personalidades da ONU.”
Os mesmos governos que deram 25 trilhões de dólares para os bancos na crise econômica, agora “doam” ninharias para as vítimas do terremoto. A ONU gastou 3,5 bilhões de dólares nos cinco anos de ocupação militar do Haiti e agora “oferece” 100 milhões de dólares. O governo brasileiro gastou cerca de 600 milhões de dólares com as tropas de ocupação, e agora se dispõe a gastar 10 ou 15 milhões de dólares.
Exigimos do governo brasileiro que retire as tropas de ocupação e utilize o dinheiro que seria gasto com elas em ajuda humanitária. Os soldados devem voltar ao Brasil, para que enviemos comida, roupas, remédios e profissionais de saúde. Ou seja, a verdadeira ajuda humanitária, que nunca existiu.
O PSTU defende que os sindicatos de todo o mundo façam uma campanha de solidariedade aos trabalhadores haitianos, recolhendo contribuições nas bases, para que possamos enviar diretamente ao movimento operário haitiano. A Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e seus sindicatos já estão encaminhando uma campanha nesse sentido.