Monday, November 23, 2009

por Carlos Alberto Lungarzo

Anistia Internacional (USA)

MI 2152711

O que o STF precisa redigir é muito simples. Dos 9 ministros do STF presentes na votação, 4 foram contra a extradição de Battisti e 5 a favor. Quanto a quem cabe decidir sobre uma extradição, ficou claro que é o Chefe de Estado, segundo a Constituição Brasileira, no caso, o Presidente Lula. A obrigação do Presidente da República de “acatar” o “parecer” do Supremo teve 5 ministros votando contra e 4 a favor, portanto, o STF confirmou aquilo que está na constituição: A decisão é do Presidente Lula.

Apesar das dificuldades nas discussões devido às posições antagônicas no seio do STF, a redação do acórdão em duas partes não é uma faina de ciclopes, e sua revisão por cada um dos 9 votantes consiste apenas em conferir se o que está escrito é o mesmo que foi falado.

Por que, então, a enorme demora que o relator está anunciando? Uma explicação óbvia é a morosidade dos processos judiciais, dos quais todo mundo (até os próprios juízes) falam. Parece, porém, uma explicação muito simples, tendo em conta as advertências feitas pelo relator de que a tarefa seria árdua e até precisaria a colaboração de alguém.

Então, aparecem outras interrogações. Por exemplo, por que o STF quer ganhar tempo?

Até 20 de novembro, pensava-se que a cúpula do Supremo estaria dando tempo para que os italianos e seus procuradores tivessem meses a fio para disparar suas baterias sobre o presidente Lula, para determinar sua posição. Mas, por alguma razão, no dia 21 de novembro, o Presidente disse perante as câmeras de TV que já tinha tomado uma decisão, porém, só a faria conhecer depois de publicado o acórdão, “porque o presidente só pode manifestar-se nos autos”. Esta frase foi dita com certa ironia, assim como sua primeira afirmação da mesma reportagem: a de que tinha dificuldade para “entender” a decisão do STF, numa referência ao tortuoso linguajar do relator.

Embora Lula não dissesse qual era sua decisão, os jornais italianos melhor informados se mostram desesperançosos quanto ao sucesso do linchamento. Os mais otimistas citam as manifestações em favor da Itália do vice-presidente (uma pessoa para quem o país é, ou deve funcionar, como uma empresa), e do presidente de Senado (uma figura que recebeu cartão vermelho recentemente). Mesmo assim, já perderam a certeza que demonstravam ter até a semana passada, quando afirmavam que Lula não ousaria desobedecer ao governo da Itália e seus fiéis procuradores. Até a agência Reuters parece ter perdido a fé na extradição. Isto pode ser um indicador de que as pressões sobre Lula estão diminuindo, e que a mídia talvez desista de novas descargas de veneno. Por exemplo, o ministro da defesa italiano, La Russa, comentou as afirmações de Tarso com uma “boa vontade” impensável há uma semana atrás. Ele disse que Tarso tinha direito a dar suas opiniões!

Então, uma enorme demora em produzir o acórdão apenas para obrigar a Lula a definir-se contra Battisti parece pouco provável.

Que outras razões podem existir? Nada sabemos com certeza; pois, quem ousaria dizer o que passa pela mente dos inquisidores? Mas há algumas conjeturas que têm uma razoável probabilidade.

Uma é manter a Battisti preso pelo maior tempo possível. A demora para a oficialização da decisão do Presidente Lula acrescentará uns meses adicionais da prisão de Battisti no Brasil aumentando a incerteza e prolongando seu sofrimento. Se Lula decidiu contra a extradição, pelo menos Battisti terá sua angústia estendida por mais algum tempo. Isso não seria prisão perpétua, mas já seria um pequeno lucro. Afinal, a vida é finita, e mesmo um “pequeno” tempo adicional de prisão aumentará a tortura psicológica da vítima.

Mas, há outra conjetura. Battisti foi perseguido desde 1981, quando fugiu da prisão de Frosinone. Embora tenha experimentado alguns momentos de tranqüilidade, e tenha colhido o afeto e admiração de milhares de pessoas inteligentes em ambientes civilizados na França, no México e no Brasil, uma perseguição tão doentia faz perder o prazer de viver, não importando quão grande tenha sido seu apego à vida antes. Aliás, para qualquer pessoa informada sobre o tratamento que recebem os presos na Itália (não apenas os presos por crimes comuns, mas especialmente os políticos), a opção entre passar, digamos, cinco anos na prisão italiana e o suicídio pode provocar uma tentação mortal. Já para quem está condenado à prisão perpétua, a opção é claríssima.

Battisti e vários brasileiros solidários a ele estão fazendo greve de fome, e todos sabem que uma pessoa decidida não pode ser impedida dessa greve, mesmo com os métodos de alimentação forçosa, que o Brasil, por sua tradição humanitária e laica, está impedido de aplicar. (Os métodos de alimentação forçosa são formas de tortura baseada na crença teológica de que as pessoas não têm direito sobre sua própria vida!). Então, caso o relator do STF tenha motivos sólidos para pensar que Battisti não será repatriado, um maior tempo na prisão pode aumentar sua chance de morrer de inanição.

Esta não seria a melhor solução para Itália. Como berço da Inquisição, a cultura italiana não se satisfará apenas com a morte de seu inimigo, será necessário mostrar o troféu aos milhares de urubus que querem mais uma nova oferenda no altar da “vendetta”. Será necessário saber que sua vida é um pesadelo, e que sua morte será lenta e terrível. Apesar da devoção teológica proclamada pelas culturas latinas, poucas pessoas acreditam seriamente no inferno. Portanto, os inimigos de Battisti não ficaram contentes se ele morrer no Brasil de greve de fome, uma morte onde a pessoa acaba perdendo a consciência antes de morrer e que talvez seja pouco cruel para o que os fascistas pretendem. Eles não dirão: “Ótimo! Foi para o inferno!”. Dirão: “...! Escapou outra vez de nossa vingança”.

Entretanto, mesmo sem ser ótima, a morte de Battisti por suicídio será melhor para seus inimigos que sua liberdade.

Por esse mesmo motivo, creio que Battisti e seus amigos brasileiros devem abandonar a greve de fome.

Desejo esclarecer: pessoalmente, repudio a sádica teoria de que a vida deve começar e acabar naturalmente. Acho que ser humano tem o direito de dispor de sua vida quando é certo que o sofrimento e a forte possibilidade de morte trágica são inevitáveis, salvo que seu suicídio prejudique a pessoas inocentes. Mas os familiares e amigos de Battisti o amam o suficiente para não ter o egoísmo de dizer: “ele deve viver e sofrer para estar perto de nós”.

Em 1981, quando eu pertencia a Anistia Internacional do México, apoiei pessoalmente a greve de Bobby Sands e seus nove companheiros, pois, apesar de que nossa organização não tinha posição definida sobre o assunto, também entendi que eu não estava indo contra seus princípios. Bobby e os outros meninos fizeram greve por uma questão de honra, e essa honra devia ser respeitada, porque muitas pessoas pensam que a vida sem honra tem pouco valor.

Em 2000, sendo eu representante da Anistia Internacional do Brasil, os jovens prisioneiros de La Tablada (Argentina) fizeram greve contra a prisão brutal em que estavam sendo mantidos pelo governo radical (um governo democrático subservientes aos militares e à Igreja). Eles tinham sido condenados a penas enormes, sob torturas, e sem julgamento formal, com um processo ainda mais falso que aquele sofrido por Battisti. Dessa vez, representando a AI, também me manifestei a favor.

Pessoalmente, critiquei o cinismo das organizações montadas pelo governo (como a Secretaria dita “de Direitos Humanos”, fabricada para brecar o avanço dos movimentos independentes) que pediam a aqueles jovens suspender a greve, em nome da vida. Se realmente respeitavam a vida, por que repreendiam as vítimas e não aos carrascos?

Entretanto, quando começou a vislumbrar-se uma faísca de solução, eu e outros muitos militantes, nos pronunciamos pela suspensão da greve para deixar progredir essa solução. Nenhum deles morreu de greve de fome. Ainda mais, depois do estrondoso escândalo do governo radical, mundialmente criticado por uma chacina de manifestantes, o novo presidente deixou todos em liberdade.

Sem exagero, acho que poucas vítimas de perseguição, em tempos recentes, tiveram partidários e amigos tão sinceros e esforçados como os têm Battisti. Organizações sociais, sindicatos, partidos, intelectuais, jornalistas independentes, profissionais, políticos, ordens de advogados, grandes juristas, um prêmio Nobel. Deveríamos recuar ao caso de Angela Davis (1972), Jimmy Wilson (1958) e o casal Rosenberg (1952) para encontrar casos semelhantes de solidariedade.

Battisti e seus parceiros na greve de fome sabem que não estão sós. Sabem que o Presidente Lula não aconselharia interromper a greve se estivesse pensando em mandar Césare à “morte em vida” das prisões italianas. Quando Lula disse que ele sabe que greve de fome não é boa, porque ele fez, talvez estivesse pensando: “prisão tampouco é boa, e eu sei porque passei por ela”.

Mas, se na pior das hipóteses, por algum motivo, o governo emitisse ordem de extradição contra Battisti, a deportação não seria imediata. Haveria tempo para ele retomar a greve de fome. E, nesse momento, todas as mentes que repudiam a inquisição, o sadismo, o ódio, a vendetta, enfim, tudo aquilo que representou o infame relatório inicial do STF, estarão com ele. Battisti pode ter uma certeza absoluta, 100%. Ou ele ficará livre no Brasil, ou terá sua oportunidade de suicídio.

Portanto, agora é o momento de lutar pela vida e de acabar com a greve de fome!

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