Sunday, November 15, 2009

CANALHA

"É uma dor canalha
Que te dilacera
É um grito que se espalha
Também pudera
Não tarda nem falha
Apenas te espera
Num campo de batalha
É um grito que se espalha
É uma dor
Canalha"
(Walter Franco, "Canalha")

O jornal da ditabranda continua dando repulsiva contribuição ao linchamento judicial e consequente assassinato do escritor Cesare Battisti, que já declarou preferir a morte à desonra de ser entregue como troféu a Silvio Berlusconi.
Seu editorial, no dia da segunda sessão de julgamento do pedido de extradição italiano (12/11), foi mais aberrante ainda do que os produzidos para bajular a ditadura militar quando esta impunha o terrorismo de estado ao País e trucidava os heróicos resistentes.
O título já disse tudo: Extraditar Battisti. Como regente do coral dos linchadores, a Folha de S. Paulo ditou sua palavra de ordem aos ministros do Supremo.
E mentiu descaradamente a seus leitores:

"Ao advogar a defesa do refúgio, Genro quis transformar um estrangeiro condenado em seu país por assassinatos comuns e premeditados em figura perseguida por opinião política".

Como tantos juristas ilustres e respeitados defensores dos direitos humanos vêm afirmando desde 2007, sem que a Folha abra espaço para o outro lado nem conceda direito de resposta, Battisti foi condenado em 1988 mediante enquadramento numa lei criada especificamente para punir a subversão contra o Estado italiano.
E, em seu voto que seria suficiente para mandar de vez esse processo infame para a lata do lixo caso houvesse o mínimo respeito pela verdade e pela Justiça, o ministro Marco Aurélio Mello lembrou o singelo detalhe de que, na sentença que a Itália quer nos enfiar goela adentro, 34 (TRINTA E QUATRO!!!) vezes está dito que o motivo do processo é a subversão contra o Estado.
Numa ignóbil manipulação dos fatos, a Folha atribuiu ao ministro Tarso Genro aquilo que quem faz é o extremista presidente do STF Gilmar Mendes, em sua militância contra os movimentos sociais e os cidadãos que resistiram e resistem ao arbítrio neste sofrido país: "Ficou claro que a lei estava sendo desvirtuada para que pudesse atender a conveniências políticas de um grupo".
Que eu saiba, a lei tem sido desvirtuada neste país é para livrar poderosos como Daniel Dantas das grades.
Não me lembro de ter lido editoriais da Folha contra o maior desvirtuamento já cometido contra as leis deste país, a promulgação do Ato Institucional nº 5. Devo ter má memória.
Vestindo uma toga que deve ter alugado na loja de adereços teatrais ou tomada emprestada dos palhaços de algum circo, a Folha sentenciou que Battisti é um "criminoso".
Sim, ele é. Tanto quanto os injustiçados de todos os tempos e países, que comete(ra)m o crime de lutar contra a exploração do homem pelo homem. Para a burguesia e para seus lacaios da Folha de S. Paulo, este é e será sempre o maior dos crimes, justificativa para toda a desinformação e todos os linchamentos.
Finalmente, o jornal entoou a desmoralizadíssima cantilena de que a Itália era uma democracia quando torturava seus presos políticos e os submetia a farsas judiciais comparáveis às das ditaduras militares latinoamericanas e às da Santa Inquisição, além de fazer lobby explícito para que o ministro Toffoli amarelasse (o que acabou acontecendo):

"Esta Folha sustenta que a decisão da Justiça italiana precisa ser respeitada e que Battisti deve cumprir pena conforme as leis da democracia que o condenou. Apesar das controvérsias, parece não haver impedimento para que Toffoli participe da decisão (...). É a sua consciência que o ministro deve seguir para eventualmente se declarar impedido".

Quem publica um editorial desses implicitamente declara que abandonou de vez as boas práticas jornalísticas, preferindo atuar com a tendenciosidade de qualquer pasquim da extrema-direita.
Então, não é surpresa que, na edição deste domingo (15), o jornal subscreva versões policiais para colocar em dúvida a honestidade de Battisti:

"Segundo a Folha apurou, apesar de negar as quentinhas que lhe são oferecidas pela carceragem, Batistti tem em sua cela alguns biscoitos e doces".

"Apurou" como? Esteve na cela para verificar se lá realmente existiam biscoitos e doces? Ou comeu na mão dos outros, prováveis interessados em desmoralizar Battisti, apenas e tão-somente porque é esta também a faina a que a Folha se dedica?
Ademais, qual a verdadeira relevância em publicar que "Batistti tem em sua cela alguns biscoitos e doces", se ele realmente os possuir mas não os estiver comendo? Não poderão estar simplesmente esquecidos em algum canto?
Ou seja: para não violentar demais a verdade, a Folha nem sequer ousa afirmar que o escritor esteja alimentando-se às escondidas. Apenas insinua isto, da forma mais torpe.
E pensar que foi o principal jornal brasileiro em meados da década de 1970, quando tinha como diretor de redação o insperável Cláudio Abramo.
Parafraseando Edgar Allan Poe: "E o corvo disse, Nunca mais"...


CELSO LUNGARETTI, jornalista e escritor, mantém os blogues

http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/

http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

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