Porto da Barra um dia antes da abertura do carnaval em Salvador
O carnaval de Salvador atrai multidões, grandes investimentos e recordes de audiência. A expectativa para este ano é de mais de 2 milhões de foliões, e movimentação de R$ 1 bilhão. Turistas brasileiros e do mundo inteiro chegam à capital baiana para pular e dançar atrás dos trios eletrizantes nas avenidas. As grandes emissoras de televisão e rádio dão visibilidade à festa, e dezenas de empresas investem na folia.
Criado pela população mais pobre, hoje, o carnaval de rua se transformou em um dos segmentos mais rentáveis da indústria de entretenimento do país. A ocupação de 100% da rede hoteleira de Salvador nos hotéis mais próximos dos circuitos (os gigantescos camarotes e arquibancadas que tomam os passeios e ruas dos trajetos). Os preços das centenas de blocos fechados variam entre 150 reais a dois mil reais por dia. Milhões de investimentos de grandes empresas como bancos, marcas de cervejas e companhias de telefonias disputam o espaço da avenida com a alegria e diversão do carnaval de Salvador.
O quê que o carnaval tem?
São diversos os estilos musicais presentes no carnaval. Nas avenidas, durante os seis dias de folia, passam blocos afro, de afoxé, samba, axé, sopro e percussão. Os blocos se revezam nas ruas com os artistas baianos e os camarotes oferecem centenas de atrações, como Djs, bebidas e comidas, entre a passagem de um trio e outro. Aparentemente, tudo parece harmonioso, todos se divertem e tudo é só felicidade e alegria. No entanto, lamentavelmente, essa festa tem sido marcada também pelo racismo e as desigualdades sociais da capital baiana.
A cidade em que a “pipoca” é negra
Apesar do elevado índice de mais de 80% da população soteropolitana ser negra, é uma minoria branca que pula nos blocos cercados por cordas e que freqüentam os camarotes luxuosos espalhados pelas avenidas. Algo que pode ser visto até mesmo pela TV. Diferente do que a mídia e os governos anunciam sobre a diversidade étnica e cultural que marca a festa e a cidade de Salvador, o espaço reservado para os negros e pobres no carnaval é a conhecida “pipoca”, foliões que não tem dinheiro para comprar um abadá e fica apinhada e espremida, separada dos blocos por uma corda e muitos seguranças. E aqueles que conseguem os abadás para pular nos blocos parcelam o seu valor em diversas vezes. Para aqueles que podem pagar, os melhores blocos e camarotes; para aqueles que não podem pagar, sobra a “pipoca”e as frequentes agressões dos policiais. Mais de 60% dos soteropolitanos que pulam o carnaval, os anfitriões da festa, ficam na pipoca.
Como se não bastasse a segregação social e racial simbolizada pelas cordas, os cordeiros são superexplorados, recebendo uma diária de apenas 26 reais. Ao todo, 60 mil trabalhadores seguram as cordas que separam os pagantes do folião pipoca, mas apenas 8,7 mil são sindicalizados. Durante todo o circuito, que dura em média de 6 a 10 horas, eles só recebem da empresa apenas duas barras de cereal, 2 pacotes de biscoito e 2 litros de água natural.
Bahia: a terra da alegria?
Diferente do mito do “baiano preguiçoso”, o carnaval representa um período de trabalho para uma grande parte da população da cidade. Estima-se que só com o trabalho informal, cerca de 200 mil pessoas trabalham vendendo comida, bebida, catando latinhas, guardando carros entre outras coisas. Segundo pesquisa da prefeitura, para cada cinco habitantes da cidade que pulam o carnaval, existe mais um trabalhando.
Com os holofotes voltados para os circuitos do carnaval, a violência contra a juventude negra dos bairros da periferia se intensifica. Em Salvador, cotidianamente, jovens negros são assassinados por grupos de extermínio. Durante o carnaval, com o esquema policial reforçado para garantir a segurança dos turistas e a imagem hospitaleira da Bahia, todo negro é suspeito. É a “faxina” das elites contra o povo pobre e negro da cidade.
PSTU na Avenida!
Toda segunda-feira de carnaval, o bloco sem cordas “Mudança do Garcia” sai do bairro Garcia e invade o circuito Campo Grande de Carnaval levando protestos e críticas ácidas aos políticos. Com humor e irreverência, o maior bloco popular de Salvador, que reúne cerca de 20 mil pessoas, entre moradores do bairro, sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais, é composto por carroças, batucadas, carros enfeitados, foliões fantasiados e fanfarras.
Sem deixar de se divertir, mas também lembrando as mazelas de nossa sociedade, o bloco do PSTU esteve no cortejo do ano passado denunciando os efeitos da crise econômica sobre os trabalhadores. Vestidos com a blusa “PSTU nas festas populares”, o partido entoava ao som de uma marchinha de carnaval que a conta da crise deve ser paga pelos ricos e não pelos trabalhadores: “Não, não pago não. Essa crise não é nossa, essa crise é do patrão!”. Este ano o PSTU estará novamente na avenida se juntando a folia, mas chamando a conscientização e a solidariedade ao povo do Haiti e chamando a retirada das tropas da ONU do país. A gente se vê na avenida!